Primeira Iniciação Científica Exatamente há Meio Século: Auto-análise comparativa

Estimadas Leitoras, estimados Leitores

Eis que lhes compartilho uma experiência inicial denominada Iniciação Científica, que começou em abril de 1974. Logo que me aposentei em 2019 como professor titular da Universidade Federal do Pará (UFPA), lotado no  Instituto de Geociências (IG), com atividades de docência, pesquisa e extensão no seu curso de Graduação em Geologia e no seu Programa de Pós-graduação em Geologia e Geoquímica (PPGG), desde 2022 com nota 7 (CAPES), a maior nota que um Programa de  Pós-graduação pode receber, estava em plena pandemia Covid-19, em seu início. Ainda não  avaliava-se sua real extensão no tempo. Ficamos ilhados e impedidos de adentrar ao nosso espaço físico tanto no gabinete de trabalho quanto nos nossos laboratórios. Nossos equipamentos ficaram  à míngua, mas depois conseguimos visitá-los, sob riscos de punições. Digo tudo isso, porque todo o meu material documental (livros, revistas, documentos de disciplinas, de convênio nacionais e internacionais, projetos de pesquisas concluídos e em andamento, disquetes, CDs,  pen drives, 25.000 slides em filme positivo, fotografias P&B e coloridas, computadores, impressoras, scanners, telefones, móveis, entre outros), estavam aprisionados em minha sala, meu escritório de trabalho, refém de insetos e animais diversos danosos a esses materiais (traças, aranhas, baratas, cupins, osgas, calangos,  etc. ) inclusive plantas. Eram materiais adquiridos e acumulados  durante meio século, desde os anos 1970. Não podíamos adentrar nesses espaços. Quando finalmente acessei de fato o meu gabinete de trabalho, os bichinhos tinham feito a festa e até mesmo as plantas inseriram  raízes e desenvolveram folhas. Baratas, osgas e calangos secos se  espalharam pelo chão. Uma maravilha da natureza.  Tudo parecia intacto, mas não estava. Os cupins devoraram vários documentos, a maioria parcial, poucos totalmente. Ainda bem ! E no meio da parcela atacada pelos cupins, num armário de madeira de lei, fechado, situado num canto de ingresso dos cupins, encontrei uma pasta ainda intacta, em bom estado. Milagre! Para minha surpresa a pasta com os documentos de meu primeiro projeto de  Iniciação Científica (IC) com bolsa do Conselho Nacional de Pesquisa, CNPq, sim, isso mesmo, não era ainda Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPQ. Era abril de 1974. Fiquei deveras emocionado. MAPEAMENTO GEOLÓGICO DA BR-316 KM 37 A 47 E PA-12 BRAGANÇA -BR 316 KM +- 208. Fiz uma ligeira leitura e as emoções foram às alturas. Imediatamente escaneei todos os documentos em pdf, os quais estão aqui anexados e disponíveis (link para download) . A solicitação fora feita por mim em 15 de janeiro de 1974 diretamente ao Presidente do CNPQ no Rio de Janeiro, prof. Manoel de Frota Moreira, que aprovada, foi implementada pelo senhor Ivan Gonçalves de Freitas em 15 de abril do mesmo ano. Como orientador e guru científico, o meu querido e falecido prof. Manoel Gabriel Siqueira Guerreiro. Meus colegas do curso de Geologia, pois é, eu cursava esse curso (redundância com licença poética) , por conta de minha aproximação ao Prof. Guerreiro, me chamavam de puxa-saco e tinham até uma musicazinha nessa direção, mas que não me afetava. Hoje em  dia seria um forte motivo para um processo na justiça e uns ganhos financeiros. Com o tempo o pessoal esqueceu, e a convivência com meus colegas foi excelente. Por sinal o prof. Guerreiro era um grande admirador de Frota e sempre falava dele com especial carinho.

Notem que a documentação fora enviada pela saudosa Varig S/A, os valores em cruzeiros. Com a Varig voei pelo Brasil (o slogan da época era “Conheça o Brasil pela Varig, Varig, Varig) e fui com ela pela primeira vez  à Europa, com pouso técnico em Dakar, Senegal. Era uma aeronave DC -8. A Varig era uma empresa conhecida e admirada no mundo todo, por seus excelentes serviços. Cruzava os céus da Terra. Nós, brasileiros, tínhamos orgulho da Varig; ela e Pelé representavam o País Brasil e o seu povo querido, panorama bem distante do que vivenciamos hoje neste País, e por nossa diplomacia internacional.

Em 15 de abril de 1974 eu recebi o Termo de Concessão de Bolsa do Processo No. 1309/74 da Presidência da República – Conselho Nacional de Pesquisa. Duração de meses, vigência 04/74 a 03/75 e mensalidade de Cr$ 300,00 (trezentos cruzeiros). Hoje este procedimento é impensável. As bolsas de Iniciação  Científica do CNPQ, são concedidas proporcionalmente às Instituições de Ensino e Pesquisa do País, hoje conhecidas mais como PIBIC, que as distribuem conforme normas internas atendendo às normas gerais do CNPQ. Naqueles tempos as bolsas eram raras, atualmente a oferta é bastante expressiva, até porque convergem para isso, as bolsas de IC de outras fontes, como CAPES, Fundações Estaduais de Pesquisas, ONGs, Empresas e até mesmo pessoas físicas.

Com o título de doutor obtido na Alemanha e como professor da UFPA  a partir de 1982, em condições bem diferentes de 1974, passei a orientar ICs, inicialmente por solicitação direta ao CNPQ já em Brasília, depois dentro de projetos de pesquisa coordenados por mim, também na qualidade de Pesquisador 1A do CNPQ via Instituição passei a contar com uma cota automática de 2 bolsas. Nos últimos anos perdi o interesse em solicitar, pois a qualidade da demanda estava lamentavelmente decrescente. Mas nos anos 1980, 1990, 2000 e mesmo 2010 a demanda foi ótima e bons, belos e profícuos trabalhos foram executados, de tal forma que muitos desses ICs fizeram ou estão em carreiras bem-sucedidas na docência, pesquisa e na indústria.

Uma outra coisa que me chamou atenção foi o meu humilde Curriculum Vitae apresentado, mas era o de se esperar para um quase recém ingressado na Universidade.  Porém se compararmos as possibilidades dos dias atuais, um jovem aos 20 e poucos anos, já pode vir com uma grande bagagem, incluindo os conhecimentos de informática, computação, idiomas, habilidades de escrita e oratória.  Contudo, no meu  caso, já havia algo a ser ressaltado como  a monitoria;  entretanto o emprego na Mesbla S/A não indiquei. Será que omiti? Eu deixara a Mesbla em 1973 (entrei em 1969) para poder trabalhar como monitor no curso de Química.

Por sua vez, o trabalho de iniciação científica que executei, que contou com a participação de alguns colegas da minha  turma de geologia muito empenhados no aprendizado, verdadeiros camaradas, além de professores do curso de Geologia, em que a atenção especial foi dada pelo prof. Guerreiro, se confrontado com os atuais, foi muito fraco. É bom frisar, como consta no relatório, que o trabalho desenvolvido era apoiado pelo Núcleo de Ciências  Geofísicas e Geológicas (NCGG), através do Projeto Integrado de Geologia, Geoquímica e Geofísica.  O relatório também parece muito fraco. Refletia a infraestrutura do Curso de Geologia daquela época, que era muito pobre, embora a equipe de professores já  estivesse imbuída no seu melhoramento, ainda não surtira efeito prático. Trabalhava-se com o que estava à disposição. Além do que quase tudo estava para ser feito. Geologia era uma palavra balbuciada, enquanto mineralogia e geoquímica eram expressões ainda mais distantes. Carajás fora descoberto, mas não conhecido. Tucuruí nem sonhada era. Belém-Brasília era uma estrada de lama e asfalto, da mesma forma BR-316 ou Pará-Maranhão. A Embratel era tudo em  comunicação. Mas o meu relatório , outrora aprovado, hoje não passaria de forma alguma.  Entretanto, nele tem algo interessante: está registrado o começo da história do Museu de Geociências. Eu era o responsável pela catalogação das primeiras amostras da coleção, está escrito no meu relatório, doadas pelos professores Guerreiro e José Carlos Raymundo, já falecido, também. Foi outro grande amigo meu. Porém em nossa pesquisa fizemos uma grande descoberta, que não ficou tão evidente no relatório, mas que foi até publicado no Jornal O Liberal da época. Era o meu primeiro encontro com os fosfatos de alumínio, crandallita e wavellita, e que desde então não me abandonaram mais. Nos anos 2000 foi aberta então a primeira mina de fosfatos de alumínio no Brasil na região de nossos estudos: Sapucaia, Município de Bonito. Por sinal,  a crandallita ficou registrada no livro MEU PRIMEIRO MINERAL, como o meu primeiro mineral, depois que fui instigado por um aluno de mineralogia do curso de Geologia.

 

 

 

 

 

 

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Pelo Acre: Na picada da BR 364

Em julho de 1998 (30.07.1998 para ser preciso), em pleno verão, a BR 364 entre Feijó e Manoel Urbano, para não exagerar muito, era um bucólico caminho de barro varando floresta e pastos, mergulhando nos rios e deixando distante a esperança de uma rodovia pavimentada. A concretização deste sonho ocorreu entre 2010 e 2015, mas  não durou muito tempo, hoje pedaços de asfaltos são entremeados com trechos em barro e/ou lama, mas que a duras penas dão tráfego a cargas e passageiros. Trata-se de uma rodovia vital que começou a ser sonhada há mais de um século, mas cuja construção pioneira só veio a ocorrer nos anos 1960/1970 pelo exército brasileiro através do 7º. BEC. Seu asfaltamento, como dito, ocorrido entre 2010-2015, não sobreviveu às agruras do clima chuvoso, dos rios-correntezas de inverno e do avanço da floresta em função da qualidade construtiva da estrada. Oxalá tenhamos tempos melhores em futuro próximo. É uma necessidade premente. Atualmente DNIT e 7º BEC lutam na recuperação da rodovia 364 dentro do Acre.

A BR-364, trecho Feijó-Manoel Urbano, com destaque para os dois caminhões de propriedade do Sr. Mário Souza (foi dito na época) e entre eles o bandeirante de Francisco Maronilson Lima da Costa, já falecido. Imagem tomada em 30.07.1998. A paisagem é dada por campos, floresta e casa em madeira com cobertura de palha. A estrada se parece mais com dois caminhos paralelos  desenhados pelo rodar dos pneus sobre o chão de barro liguento ou tabatinga, endurecido pelo rodar e pelo calor, e que passa a brilhar ao refletir a luz solar, uma imagem aparentemente romântica, mas de sofrimento por quem por aí passou e viveu. Imagem do acervo pessoal (mlc-1715B).

 

Rodovia BR 364, trecho Feijó-Manoel Urbano, em 30 de julho de 1998. Veículo bandeirante de propriedade de Francisco Maronilson Lima da Costa, já falecido. Imagem do acervo pessoal (mlc-1714).

Baía do Sol 1: Apresentação

A vila Baía do Sol está situada a leste da ilha da Mosqueiro, um distrito do município de Belém, na região costeira do estado do Pará. Lá estou desde 1988. Considero o meu laboratório de vida mais importante, praticamente vivo dentro dele e já aprendi muita coisa e continuo avançando neste aprendizado.  Nesta vila o meu cantinho foi nos últimos anos batizado carinhosamente de Seringal Andiroba Forest. A partir dele, tendo em vista a minha formação em geologia, e em parte como consequência, de andarilho da vida, passei a observar o entorno e o todo sob o olhar geológico, mas também a enveredar alguns passos na botânica e no comportamento humano, que vão nos surpreendendo a cada dia. Foi a partir desta experiência que tomei a decisão de escrever sobre a minha vivência e minhas descobertas na Baía do Sol. Vai ser uma série de pequenos textos ilustrados sem data estabelecida para serem publicados, mas que brotarão conforme a vontade de extravasar o conhecimento, uma necessidade pessoal, que talvez possa contribuir aos corajosos leitores.

Vista da orla da vila Baía do Sol em julho de 1994. Logo a  frente o substrato rochoso exposto, que sustenta temporariamente a areia da praia, representado pelo horizonte mosqueado e ao fundo a praia propriamente dita encosta na falésia esculpida no perfil laterítico imaturo sobreposto por latossolos amarelos. À esquerda blocos de arenitos ferruginizados, hoje ocupados pela rampa. Imagem do arquivo pessoal (A146-14).

Minha chegada a Baía do Sol foi quase por acaso. Como professor do Curso de Geologia e do Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica da UFPA, com vivência em rochas lateríticas, materiais não apreciados pela maioria dos geólogos e estudantes de geologia, precisava introduzir em atividades de campo dois empolgados estudantes de geologia, então bolsistas de Iniciação Científica sob minha orientação, Rômulo Simões Angélica (professor da Faculdade de Geologia e do Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica, além de pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade Federal do Pará e pesquisador do CNPQ) e Maurício da Silva Borges (professor da Faculdade de Geologia da UFPA). A vila, suas praias e falésias foram amor a primeira vista,  que perdura até hoje, e acho que vai mais além.

Em 1988 em terreno de loteamento montei uma casa de madeira (Kit-Casa da Casema, que resiste até hoje, portanto com 29 anos de idade). Era  então uma pequena área de pasto e serraria abandonada, que no período chuvoso se transformava um brejo rico em formigas de fogo e muito carapanã. Um convite ao abandono.  A Baía do Sol, parecia mais a Baía da Chuva. … mas ela é muito fotogênica. Minha primeira preocupação foi vencer a máxima “quem compra um sítio tem duas alegrias: uma quando compra e outra quando vende”. Estou resistindo e ainda não penso em vender até hoje, 14.12.2017. Segunda preocupação foi como eliminar a praga de formiga de fogo que afugentava meus filhos, mulher e as visitas. E isto aconteceu com revegetação com sementes da praia. As sementes de andiroba (Carapa guianensis) e de seringueira (Hevea brasiliensis) após muita insistência fizeram a festa,  brotaram e cresceram e se multiplicaram e deram origem ao atual nome Seringal Andiroba Forest. Detalhes sobre esse longo e persistente trabalho serão contados em pequenos textos por vezes ilustrados na série “Baía do Sol” que se seguirão. Tenho um bocado de história, muitas imagens e causos a contar nestes mais 30 anos passados pela Baía do Sol. Aguardem e acompanhem, acho que vai valer a pena. Espero não desanimar.

Vista parcial da casa sede do Seringal Andiroba Forest em abril de 1992. Imagem do arquivo pessoal (A141-39).